Paso a Paso

Como organizar um Programa Porta-Balão.

Dr. Gerardo Nau

Instituto Cardiovascular de Buenos Aires – ICBA, Argentina , Buenos Aires

O tratamento do infarto agudo do miocárdio com elevação do segmento ST (IAMcST) é tempo-dependente e tem impacto negativo no prognóstico do paciente quanto mais se tarde em revascularizar a artéria responsável pelo infarto.

O tempo total de isquemia miocárdica, compreendido desde o início dos sintomas até a abertura da artéria culpada envolve diferentes etapas: tempo do paciente (tempo que o paciente demora em consultar) e o tempo do sistema, que é a resposta do sistema de saúde frente a um paciente que consulta por dor precordial (inclui a atenção dos serviços de emergências e das instituições que tratam esses pacientes).

É fundamento que os centros com capacidade de realizar angioplastia primária (ATCp) estejam preparados para tratar os pacientes com IAMcST dentro dos tempos recomendados pelos guias clínicos e o desenvolvimento de um Programa Porta-Balão é a forma de alcançar esse objetivo.

O tempo porta-balão (TPB) é o tempo transcorrido desde que o paciente chega ao centro assistencial com capacidade para realizar ATCp até que se consegue a abertura da artéria. Dita variável constitui um fator crucial que determina a eficácia do centro e é considerada como um dos principais indicadores de qualidade de atendimento.

Os guias clínicos recomendam que o TPB seja de menos de 60 minutos e para alcançar esse objetivo é necessário contar com um trabalho multidisciplinar e coordenado entre todos os atores que intervêm na atenção dos pacientes com IAMcST: pessoal de admissão de pronto-socorro, médicos de pronto-socorro, unidade coronariana, hemodinamistas, enfermeiros e técnicos.

 

Primeiro Passo: Estabelecer o objetivo e determinar a métrica do projeto

Como primeiro passo, deve-se determinar qual será o objetivo de nosso programa e de que maneira mediremos o que vamos fazer.

Em tal sentido, os guias internacionais recomendam que o TPB seja de menos de 60 minutos, motivo pelo qual nosso objetivo será alcançar um TPB de menos de 60 minutos em mais de 75% dos pacientes que são admitidos com IAMcST.

Nossa métrica será o TPB, entendendo que esse tempo está conformado por vários segmentos: ingresso do paciente no centro – realização do ECG – ativação da equipe de hemodinâmica – chegada do hemodinamista – entrada em hemodinâmica – passagem de cabos.

Então, é importante que cada um dos horários antes mencionados seja definido corretamente e que todos os atores utilizem a mesma hora. Para isso, a hora de satélite dos telefones celulares é a melhor opção.

 

Segundo Passo: Etapa Diagnóstica

Uma vez determinado o objetivo do programa e identificada a métrica do projeto, devemos analisar qual é a situação prévia ao início do novo programa.

Para isso, devemos conformar uma equipe de trabalho multidisciplinar, composta por todos os atores envolvidos na atenção do paciente com IAMcST, o que inclui, além do pessoal médico do pronto-socorro, Unidade Coronariana e Hemodinâmica, pessoal administrativo, técnicos e enfermeiros e responsáveis pelo traslado dos pacientes dentro da instituição.

Também é necessário criar uma base de dados onde registrar todos os tempos mencionados previamente e uma ficha que deve ser preenchida por todos os atores que participam da atenção do paciente.

A etapa diagnóstica vai permitir avaliar onde se encontram as maiores demoras e criar estratégias para reduzi-las.

Temos que entender como é o processo desde que o paciente é admitido no Centro Assistencial até a realização da ATCp. Devemos poder analisar: como é o procedimento de admissão de pacientes, se há uma triagem no pronto-socorro para pacientes com dor precordial, qual é o tempo que se tarda em realizar um ECG, quem o realiza, como se ativa o serviço de hemodinâmica, quanto tempo tarda o hemodinamista em chegar ao centro, como é o traslado do paciente à sala de hemodinâmica e quem o faz, etc.

Terceiro Passo: Estratégias para reduzir o TPB

Existem múltiplas estratégias descritas que podem ser implementadas para reduzir o TPB, mas as que têm mais impacto na redução do tempo são (Figura 1):

  1. Ativação precoce da equipe correta: Trata-se de uma estratégia simples, associada a uma significativa redução do TPB, porém não ocorre de forma frequente nas diferentes equipes. Vamos nos deter nesta ferramenta estratégica, já que não se relaciona com um custo adicional e ao mesmo tempo denota a coordenação de uma equipe focalizada no processo, dentro de uma instituição. A situação ideal é que exista uma área de triagem no pronto-socorro, destinada à avaliação de pacientes com dor precordial, para submetê-los rapidamente a um eletrocardiograma e, no caso de um diagnóstico de IAMcST, que se ative rapidamente e com uma única chamada o hemodinamista que está de plantão. Para isso, é necessário realizar um treinamento do pessoal de admissão, realizar lista com hemodinamistas de plantão com seus respectivos telefones para que se ative a equipe correta.
  1. Sala Pronta: Trata-se da possibilidade de contar com a sala de hemodinâmica em condições para realizar um procedimento quando o serviço estiver fechado (off-hour). Em grande parte dos centros com capacidade para realizar ATCp, a sala de hemodinâmica nas horas não ativas se encontra fechada, sendo necessário esperar a chegada da equipe de hemodinâmica de plantão para abri-la e prepará-la para receber o paciente, gerando atrasos no tratamento. A educação e treinamento do pessoal de enfermagem do serviço de emergências presente na instituição é primordial e permite não só contar com um mesmo profissional com conhecimento do paciente desde sua admissão até seu tratamento mas, além disso, permite o acondicionamento da sala, incluindo a preparação da mesa para o início do procedimento.
  1. Pré-ativação: Trata-se da ativação da equipe de hemodinâmica, após a solicitação de encaminhamento ao centro, seja do paciente que é trasladado de sua casa ou de um centro encaminhador com diagnóstico de IAMcST. Sem dita estratégia, a equipe de hemodinâmica era ativada uma vez que o paciente entrava na instituição. Com a colocação em prática dessa estratégia, a equipe de hemodinâmica se dirige à instituição ao mesmo tempo que o paciente, reduzindo de maneira significativa o tempo de espera até o tratamento.
  1. Saltar o pronto-socorro: É bem conhecido na literatura que o tempo transcorrido desde a chegada ao centro até que a sala se encontre em condições é o período mais longo que demora o TPB. Para aqueles pacientes com diagnóstico de IAMcST que chegam de ambulância, seja encaminhado de outra instituição, seja de sua residência, o paciente entra diretamente na Sala de Hemodinâmica, evitando demoras e internação no pronto-socorro.

 

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 Figura 1. Estratégias para reduzir o TPB

Original español

Tradução português

Programa Puerta-Balón

Programa Porta-Balão

Activación precoz del equipo correcto

Ativação precoce da equipe correta

·         Entrenamiento de admisión

·         Listado con guardias e celulares

·         Triage especial para el dolor precordial en curso

·         Treinamento de admissão

·         Lista com plantões e celulares

·         Triagem especial para a dor precordial em curso

Sala lista

Sala pronta

·         Conocimiento de la sala de HD x enfermeros de la guardia

·         Apertura precoz de la sala de hemodinamia

·         Conhecimento da sala de HD x enfermeiros do plantão

·         Abertura precoce da sala de hemodinâmica

 

By pass de guardia

Saltar o pronto-socorro

Preactivación

Pré-ativação

·         Comunicación telefónica SEM – admisión

·         Pre-llamado del SEM al ICBA

·         Comunicação telefônica SEM – admissão

·         Pré-chamada do SEM ao ICBA

Quarto Passo: Educação e Treinamento

A educação e o treinamento de todos os atores que intervêm na atenção dos pacientes com IAMcST é de fundamental importância na hora de colocar em marcha as estratégias que permitirão reduzir o TPB.

Isso pode se realizar através de palestras e reuniões presenciais e on-line para repassar a sistemática de atuação e por meio da organização de simulacros que permitam definir os papéis de cada um e aprender dos erros.

Experiência ICBA.

Desde o ano 2014 começamos a trabalhar na criação de um Programa Porta-Balão no qual a implementação das estratégias anteriormente descritas permitiu reduzir de maneira significativa os tempos. A pré-ativação permitiu o ingresso da equipe de hemodinâmica à sala antes do ingresso do paciente à instituição, reduzindo de maneira significativa o TPB de 75 a 34 minutos (p = 0,01). Figura 2.

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Figura 2. Impacto da pré-ativação na redução do TPB.

P-Act

Pré-ativação

Sin P-Act

Sem Pré-ativação

T. Puerta-dist

Tempo Porta-


Juntamente com a estratégia prévia, evitar a passagem pelo pronto-socorro e contar com a possibilidade de ter a sala pronta são as outras duas estratégias que ajudam a reduzir o TPB (Figura 3).

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Figura 3. Impacto das estratégias de Saltar o Pronto-socorro e ter Sala Pronta na redução do TPB.

Puenteo Guardia

Saltar Pronto-socorro

Sala Lista

Sala Pronta


Finalmente, as estratégias incorporadas não só reduzem o TPB mas também têm um impacto positivo na redução do tempo total de isquemia, diminuindo o período desde o primeiro contato médico até a revascularização.

Na atualidade os guias recomendam a criação de redes para o tratamento de pacientes com IAMcST, onde centros de diversos níveis de complexidade estejam conectados por um sistema de ambulância eficiente, que permita a rápida instauração de um tratamento de reperfusão.

Com a simples criação deste tipo de redes, reduzem-se os atrasos no tratamento e aumenta a proporção de pacientes que recebem tratamento de reperfusão.

Para alcançar as metas descritas, é vital começar pela organização interna de nossos centros, com o objetivo de que os mesmos sejam incorporados pelas redes e realizem um trabalho de equipe eficiente.