Estima-se que a obstrução congênita do trato de saída ventricular esquerdo (OTSVE) ocorre em 6,1 de 10.000 nascidos vivos e a estenose valvar aórtica (EVAo) representa aproximadamente três quartos dos pacientes. Antes dos anos oitenta, a valvotomia cirúrgica era a intervenção terapêutica padrão para a EVAo. Em 1984, no entanto, Lababidi e seus colegas (1) introduziram a valvoplastia aórtica percutânea com balão (VAB), informando alívio imediato da obstrução em 23 pacientes com idades compreendidas em entre os 2 e os 17 anos.
A VAB representa claramente uma das intervenções mais desafiantes e potencialmente perigosas em cardiopatias congênitas, especialmente no recém-nascido. Desde a publicação de Lababidi e colaboradores em 1984 este procedimento se tornou o tratamento de escolha para o manejo inicial dos pacientes pediátricos com EVAo que requerem intervenção.
Na revista “Catheterization and Cardiovascular Interventions” de fevereiro de 2017, Sullivan e colaboradores (2) relataram a experiência de um centro único com VAB em neonatos, lactentes e crianças com um seguimento de até 20 anos. Os objetivos do estudo foram: descrever o risco a longo prazo de mortalidade ou a necessidade de transplante do coração; a evolução da insuficiência valvar aórtica (IAo) moderada ou severa, que se apresentasse de forma aguda ou no seguimento; qualquer reintervenção, fosse cirúrgica ou por cateterismo cardíaco nas estruturas subvalvar, valvar e supravalvar do trato de saída do ventrículo esquerdo (TSVE); e finalmente o implante percutâneo valvar aórtico (TAVI) por bioprótese ou válvula mecânica e a cirurgia de Ross.
Cento e cinquenta e quatro pacientes com fisiologia “biventricular” foram submetidos a VAB em uma instituição entre 1993 e o final de 2013. A mediana de seguimento foi de 6,1 anos. Os pacientes foram predominantemente homens, 73% e 49% tinha menos de 31 dias de idade no momento de seu procedimento inicial. A maioria dos pacientes tinha EVAo congênita isolada. A lesão associada mais frequente foi a coarctação da aorta (21%) seguida da estenose mitral (7,8%). Nove pacientes (5,8%) tinham duas lesões obstrutivas do lado esquerdo além da EVAo. Oito pacientes (5,2%), todos com mais de 22 meses, estavam sem IAo no momento do procedimento inicial em sua instituição, e tinham sido submetidos previamente a uma VAB ou valvotomia aórtica cirúrgica em outra instituição.
O gradiente médio de pré-dilatação foi de 57 mmHg ± 22 mmHg e o gradiente de pós-dilatação médio foi de 19 mmHg ± 8 mmHg, para uma redução aguda média de 38 mmHg ± 19 mmHg. Sessenta e quatro pacientes (42%) tinham um gradiente de pré-dilatação inferior a 50 mmHg, a maioria dos quais tinha gradientes entre 40 e 50 mmHg. Além disso, houve um número de recém-nascidos com circulação sistêmica dependente do duto, uma má função ventricular esquerda ou lesões obstrutivas do lado esquerdo associadas neste grupo. Vinte e um pacientes (14%) apresentaram gradiente antes da dilatação de 80 mmHg ou superior. Cento e trinta e seis pacientes (89%) ficaram com um gradiente de pós-dilatação de menos de 30 mmHg. Dezenove pacientes (12%) desenvolveram IAo moderada ou severa após a dilatação.
Os pacientes com menos de 31 dias de idade tinham maiores valores de gradiente pico em comparação como os pacientes de mais de 31 dias de idade ou mais (61 ± 23 mmHg vs. 53 ± 19 mmHg; p = 0,03) e maiores probabilidades de ter um gradiente de pré-dilatação de 80 mmHg ou mais (20% vs. 7,7%; p = 0,049). Os pacientes com menos de 31 dias de idade tiveram uma maior redução aguda no gradiente valvar (43 ± 21 mmHg vs. 34 ± 17 mmHg; p = 0,003). Os grupos foram similares no que se refere aos gradientes de pós-dilatação e ao grau de IAo pós-dilatação.
Não foram relatadas mortes intraprocedimento. No seguimento foram relatadas 9 mortes totais e 2 pacientes que foram submetidos a transplante de coração em uma mediana de tempo de 51 dias após o procedimento. Todos estes pacientes foram submetidos a VAB aos 60 dias de idade ou menos, e oitos deles foram submetidos a VAB na primeira semana de vida ou antes.
Em 15 anos, a sobrevivência livre de transplante foi de 85% nos que foram submetidos a VAB como recém-nascidos, 94% nos que foram submetidos a VAB entre 31 dias e 1 ano e 100% nos pacientes com mais de 1 ano no momento da VAB.
Os neonatos também foram mais propensos a desenvolver IA moderada ou severa durante o seguimento em comparação com os pacientes que foram submetidos a VAB aos 31 dias de idade ou mais (p = 0,004). Transcorridos 15 anos da VAB, estima-se que 11% (95% IC: 1,2 – 34%) dos pacientes que foram submetidos a VAB neonatal e uma estimativa de 58% (95% IC: 39 – 73%) daqueles que receberam intervenção fora do período neonatal permaneciam livres de IAo moderada ou severa. Calculou-se que somente 45% dos neonatos e 62% dos lactentes e crianças com maior idade permaneciam livres de AVR 15 anos após a VAB.
A reintervenção inicial mais frequente foi a repetição da VAB (46% das reintervenções iniciais), seguida do procedimento de Ross com ou sem ampliação anular e do procedimento de Konno (22% das reintervenções iniciais).
Na análise multivariada, a idade neonatal, as lesões obstrutivas adicionais do coração esquerdo (HR 2,7), o gradiente pré-dilatação > 80 mmHg (HR 2,8), o gradiente pós-dilatação > 30 mmHg (HR 4,5) e a IAo aguda moderada a severa pós-dilatação (HR 2,6) mostram um risco elevado de reintervenção do TSVE. Na análise multivariada ajustada por ano de cateterismo, o risco de TAVI pós-VAB foi muito maior naqueles pacientes que tinham IA moderada-grave (HR 10,4) em comparação com aqueles com EVAo pós-VAB (HR 3,0).
Os resultados sugerem um baixo risco de mortalidade aguda, mas o risco a longo prazo de reintervenção é significativo. A maioria das intervenções de VAB tendem a se apresentar no período neonatal. É relatado um risco significativo para neonatos. Por volta de 14% dos recém-nascidos morreram ou foram submetidos a um transplante cardíaco.
Os autores concluem que a VAB apresenta um baixo risco de mortalidade a longo prazo, mas que existe um risco substancial, também a longo prazo, de disfunção valvar e reintervenção (incluindo necessidade de TAVI). O achado clinicamente mais relevante deste trabalho pode ser que a IAo aguda se associa a risco significativamente maior de necessidade de TAVI em comparação com a EVAo residual, o que sugere que um enfoque mais conservador pode ser prudente.
A maioria dos operadores preferem deixar mais estenose (EVAo, 30 – 35 mmHg) que o risco de IAo severa aguda ao dilatar com balão de maior tamanho. Neste relatório observa-se que os pacientes com IAo aguda moderada ou severa posterior à VAB e um gradiente residual < 30 apresentaram um risco três vezes maior de requerer TAVI em comparação com aqueles com gradiente residual ≥ 30 mmHg e uma IAo leve ou trivial.
Outros estudos (3) relatam que os pacientes de VAB com gradiente residual > 358 mmHg tiveram tendência a um maior risco de requerer TAVI e inclusive os pacientes com gradiente < 35mmHg e AR severa tinham melhor evolução que os pacientes com IAo leve e gradiente > 35 mmHg. Sugere-se, então, que o intervencionista deve ser mais agressivo no sentido de reduzir o gradiente < 35 mmHg apesar do risco de maior IAo (4).
Esta contraindicação deixa interrogantes no momento de decidir entre diminuir o gradiente a menos de 35 mmHg e deixar o paciente com uma insuficiência valvar aórtica moderada a severa.
Ainda há dúvidas a serem dilucidadas. Uma delas é como o resultado da VAB afeta a morfologia valvar ecocardiográfica observada antes da intervenção (5) e que mudanças estruturais específicas podem ser observadas por ecocardiografia imediatamente após a VAB poderiam nos ajudar a definir qual foi o mecanismo por meio do qual se reduziu o gradiente e qual é o mecanismo gerador da insuficiência valvar aórtica.
É evidente que a IAo moderada a severa é o maior indutor de risco de requerer TAVI no futuro. Mas, como resolver a questão de quando seguir adiante para reduzir o gradiente valvar?
São necessários mais estudos que nos respondam este interrogante.
É necessário acrescentar que diante dos resultados desalentadores em neonatos criticamente doentes – os quais representam um grupo desafiante de pacientes – os cirurgiões podem propor firmemente a valvotomia aberta (VA) como o tratamento inicial mais efetivo (6) ao compará-la com a VAB, que pode ser considerada como um procedimento “às cegas”. Na cirurgia é possível fazer a divisão exata das comissuras fundidas e o efeito dos nódulos obstrutivos, o que pode produzir uma melhor válvula com um orifício valvar máximo sem causar insuficiência. Isso pode oferecer um grande benefício de sobrevivência a longo prazo e uma alta qualidade de vida, ao minimizar as reintervenções e preservar a valva aórtica nativa na maioria dos pacientes. Seria, então, muito prudente tomar as decisões em conjunto entre o grupo intervencionista e os cirurgiões, tentando escolher a melhor opção para o paciente.
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