Artículo de Revision

Infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST. Revascularização completa imediata ou tratamento do vaso culpado?

Dr. Alberto Barría P.

Institut Universitaire de Cardiologie et de Pneumologie de Québec Canada , Québec

A terapia de escolha para pacientes que se apresentam com um quadro de infarto agudo do miocárdio (IAM) com supradesnivelamento do ST (SDST) é a angioplastia coronariana com implante de stent[1]. Em tal grupo de pacientes há entre 40 e 65% de doença severa em artérias coronarianas culpadas[2]. Nestes casos, o risco de eventos cardiovasculares a médio e longo prazo é maior que nos pacientes portadores de doença de um vaso. Uma análise post hoc do estudo Harmonizing Outcomes With Revascularization and Stents in Acute Myocardial Infarction concluiu que a revascularização diferida dos vasos não culpados deve ser o padrão em ditos casos; enquanto duas metanálises recentes relatam melhores resultados em mortalidade global e eventos cardiovasculares maiores ao efetuar revascularização dos vasos não culpados de forma diferida versus somente o vaso culpado[3]. Existindo esta evidência, a recomendação da Associação Americana de Cardiologia (AHA) até o ano 2012 era efetuar a revascularização dos vasos não culpados em um procedimento diferido, o que pode ocorrer durante a admissão hospitalar índice ou em outra admissão. A revascularização de vasos culpados durantes o procedimento índice tinha sido considerada uma contraindicação[4].

Os argumentos teóricos para isso seriam um risco aumentado de microembolização e fenômeno de no reflow pelo estado pró-trombótico agudo, a dificuldade na avaliação da severidade anatômica e fisiológica das lesões em vasos não culpados, um maior risco de nefropatia por contraste e a menor capacidade de compensação em caso de ocorrência de complicação aguda em vaso não culpado[5]. Um registro dinamarquês publicado em 2012 incluiu 1.174 pacientes com diagnóstico de IAM com SDST e doença multivaso. Comparou-se estratégia de revascularização de vasos não culpados imediata versus diferida. O grupo revascularização imediata obteve um aumento significativo da mortalidade intra-hospitalar e em 30 dias, 12 e 24 meses. O risco relativo (RR) com intervalo de confiança de 95% para a mortalidade global foi de 1,6 (1,27-2,01)[3]. Destacamos que esses dados correspondem a um estudo não randomizado e retrospectivo. É chamativo nessa série que os pacientes em grupo de revascularização imediata tinham uma prevalência significativamente maior de comorbidades e apresentavam-se mais frequentemente com elementos de falha cardíaca aguda em relação ao grupo de revascularização diferida. O estudo randomizado PRAMI reexplorou a hipótese de revascularização multivaso imediata. Ingressaram 465 pacientes em 5 centros da Inglaterra, que se apresentaram com IAM com SDST e seriam submetidos a uma angioplastia primária.

Os mesmos foram randomizados a uma revascularização do vaso culpado versus o tratamento adicional do vaso não culpado durante o procedimento índice.

Foram excluídos os casos de choque cardiogênico, pacientes portadores de pontes aortocoronarianas e lesões coronarianas complexas. Em um seguimento de dois anos constatou-se benefício significativo no desfecho composto de morte cardíaca, infarto não fatal e angina refratária, o qual foi guiado principalmente pelos últimos dois. A necessidade de nova revascularização foi significativamente maior no grupo em que se tratou somente o vaso culpado, com um RR de 0,3 (0,17-0,56). Constatou-se um benefício em tratar vasos não culpados de maneira imediata[6]. No entanto, os pacientes do grupo de revascularização somente do vaso culpado foram manejados posteriormente com terapia médica e revascularizados somente em caso de angina refratária. O anterior dificulta a análise da intervenção, já que sabemos que os pacientes com doença multivaso são intrinsicamente de pior prognóstico. O estudo CvLPRIT publicado em 2015 comparou novamente revascularização somente do vaso culpado vs. multivaso em procedimento índice, de modo randomizado. Diferentemente do estudo PRAMI, nesse caso realizou-se uma cintilografia de perfusão miocárdica em 6 ± 2 semanas pós-procedimento. Permitiu-se revascularização diferida somente em casos que se encontravam sintomáticos apesar da terapia médica.

Foram incluídos 146 pacientes a tratar vaso culpado e 150 a revascularização multivaso. No seguimento de 12 meses a incidência do desfecho combinado de morte, infarto do miocárdio, falha cardíaca e revascularização repetida foi significativamente menor no grupo revascularização multivaso imediata, com um RR de 0,45 (0,24-0,84)[7]. A incidência de nefropatia por contraste e sangramento maior foi similar em ambos os grupos. Consequentemente, esses dois ensaios sugerem a factibilidade e a segurança de realizar revascularização multivaso imediata quando se circunscreve a pacientes sem comprometimento hemodinâmico nem lesões complexas.

A afirmação anterior provocou uma alteração na classificação de consenso e nos guias mais recentes de revascularização, mudando a indicação IIb para revascularização multivaso em contexto de IAM com SDST[8]. Em uma recente metanálise, Nguyen et al. compararam revascularização completa versus somente vaso culpado em pacientes admitidos por IAM cm SDST. Foram incluídos 13 estudos randomizados dos quais 8 abrangem um ramo de revascularização imediata de vaso não culpado, apesar de somente dois terem mais de 100 casos por cada ramo. Os resultados revelaram uma diminuição significativa da incidência de eventos cardiovasculares maiores no grupo de revascularização completa com um RR de 1,65 (1,25-2,18) e uma tendência não significativa à diminuição da mortalidade global. Isso confirma os benefícios de resolver as lesões não culpadas. Não se efetuou uma análise específica para o grupo de revascularização imediata e não podemos concluir o benefício de dita abordagem em particular[9]. Finalmente, outra metanálise recente feita por Li et al. explorou a estratégia de revascularização diferida versus imediata de vaso não culpado. Em 10 estudos (4 randomizados e 6 observacionais) evidenciou-se uma diminuição significativa da mortalidade a curto prazo no grupo de revascularização diferida com um RR de 0,23 (0,10-0,51) e da mortalidade a longo prazo com um RR de 0,44 (0,29-0,66), explicado principalmente pelos estudos randomizados[5]. Houve uma tendência não significativa à diminuição dos eventos cardiovasculares maiores.

Pelo anteriormente dito, podemos concluir que para os pacientes que apresentam um IAM com SDST e doença multivaso concomitante: a evidência atual sugere um claro benefício tanto em termos de diminuição de mortalidade quanto de eventos cardiovasculares maiores ao realizar-se revascularização completa diferida[10]. Há estudos randomizados nos quais demonstrou-se segurança de efetuar revascularização multivasos durante o procedimento coronariano índice. O anterior não é evidência suficiente para considerar dito procedimento como padrão de manejo atual e pode ser proposto como opção em casos selecionados com lesões de menor complexidade e com estabilidade hemodinâmica.

Bibliografia

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  2. Sorajja, P., et al., Impact of multivessel disease on reperfusion success and clinical outcomes in patients undergoing primary percutaneous coronary intervention for acute myocardial infarction. Eur Heart J, 2007. 28(14): p. 1709-16.
  3. Jensen, L.O., et al., Culprit only or multivessel percutaneous coronary interventions in patients with ST-segment elevation myocardial infarction and multivessel disease. EuroIntervention, 2012. 8(4): p. 456-64.
  4. Levine, G.N., et al., 2011 ACCF/AHA/SCAI Guideline for Percutaneous Coronary Intervention. A report of the American College of Cardiology Foundation/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines and the Society for Cardiovascular Angiography and Interventions. J Am Coll Cardiol, 2011. 58(24): p. e44-122.
  5. Li, Z., et al., Staged versus One-Time Complete Revascularization with Percutaneous Coronary Intervention in STEMI Patients with Multivessel Disease: A Systematic Review and Meta-Analysis. PLoS One, 2017. 12(1): p. e0169406.
  6. Wald, D.S., et al., Randomized trial of preventive angioplasty in myocardial infarction. N Engl J Med, 2013. 369(12): p. 1115-23.
  7. Gershlick, A.H., et al., Randomized trial of complete versus lesion-only revascularization in patients undergoing primary percutaneous coronary intervention for STEMI and multivessel disease: the CvLPRIT trial. J Am Coll Cardiol, 2015. 65(10): p. 963-72.
  8. Endorsed by the Latin American Society of Interventional, C., et al., 2015 ACC/AHA/SCAI focused update on primary percutaneous coronary intervention for patients with ST-elevation myocardial Infarction: An update of the 2011 ACCF/AHA/SCAI guideline for percutaneous coronary intervention and the 2013 ACCF/AHA guideline for the management of ST-elevation myocardial infarction: A report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines and the Society for Cardiovascular Angiography and Interventions. Catheter Cardiovasc Interv, 2016. 87(6): p. 1001-19.
  9. Nguyen, A.V., et al., Optimal percutaneous coronary intervention in patients with ST-elevation myocardial infarction and multivessel disease: An updated, large-scale systematic review and meta-analysis. Int J Cardiol, 2017.
  10. Iqbal, M.B., et al., Culprit Vessel Versus Multivessel Versus In-Hospital Staged Intervention for Patients With ST-Segment Elevation Myocardial Infarction and Multivessel Disease: Stratified Analyses in High-Risk Patient Groups and Anatomic Subsets of Nonculprit Disease. JACC Cardiovasc Interv, 2017. 10(1): p. 11-23.