Artículo de Revision

A valvoplastia aórtica com balão, uma intervenção rotineira que interpõe interrogantes

Dr. Rafael Lince Varela

Clínica CardioVID-Cardiovascular, Hospital Infantil San Vicente, Fundación Hospital Pablo Tobón Uribe Colombia

Estima-se que a obstrução congênita do trato de saída ventricular esquerdo (OTSVE) ocorre em 6,1 de 10.000 nascidos vivos e a estenose valvar aórtica (EVAo) representa aproximadamente três quartos dos pacientes. Antes dos anos oitenta, a valvotomia cirúrgica era a intervenção terapêutica padrão para a EVAo. Em 1984, no entanto, Lababidi e seus colegas (1) introduziram a valvoplastia aórtica percutânea com balão (VAB), informando alívio imediato da obstrução em 23 pacientes com idades compreendidas em entre os 2 e os 17 anos.

A VAB representa claramente uma das intervenções mais desafiantes e potencialmente perigosas em cardiopatias congênitas, especialmente no recém-nascido. Desde a publicação de Lababidi e colaboradores em 1984 este procedimento se tornou o tratamento de escolha para o manejo inicial dos pacientes pediátricos com EVAo que requerem intervenção.

Na revista “Catheterization and Cardiovascular Interventions” de fevereiro de 2017, Sullivan e colaboradores (2) relataram a experiência de um centro único com VAB em neonatos, lactentes e crianças com um seguimento de até 20 anos. Os objetivos do estudo foram: descrever o risco a longo prazo de mortalidade ou a necessidade de transplante do coração; a evolução da insuficiência valvar aórtica (IAo) moderada ou severa, que se apresentasse de forma aguda ou no seguimento; qualquer reintervenção, fosse cirúrgica ou por cateterismo cardíaco nas estruturas subvalvar, valvar e supravalvar do trato de saída do ventrículo esquerdo (TSVE); e finalmente o implante percutâneo valvar aórtico (TAVI) por bioprótese ou válvula mecânica e a cirurgia de Ross.

Cento e cinquenta e quatro pacientes com fisiologia “biventricular” foram submetidos a VAB em uma instituição entre 1993 e o final de 2013. A mediana de seguimento foi de 6,1 anos. Os pacientes foram predominantemente homens, 73% e 49% tinha menos de 31 dias de idade no momento de seu procedimento inicial. A maioria dos pacientes tinha EVAo congênita isolada. A lesão associada mais frequente foi a coarctação da aorta (21%) seguida da estenose mitral (7,8%). Nove pacientes (5,8%) tinham duas lesões obstrutivas do lado esquerdo além da EVAo. Oito pacientes (5,2%), todos com mais de 22 meses, estavam sem IAo no momento do procedimento inicial em sua instituição, e tinham sido submetidos previamente a uma VAB ou valvotomia aórtica cirúrgica em outra instituição.

O gradiente médio de pré-dilatação foi de 57 mmHg ± 22 mmHg e o gradiente de pós-dilatação médio foi de 19 mmHg ± 8 mmHg, para uma redução aguda média de 38 mmHg ± 19 mmHg.  Sessenta e quatro pacientes (42%) tinham um gradiente de pré-dilatação inferior a 50 mmHg, a maioria dos quais tinha gradientes entre 40 e 50 mmHg. Além disso, houve um número de recém-nascidos com circulação sistêmica dependente do duto, uma má função ventricular esquerda ou lesões obstrutivas do lado esquerdo associadas neste grupo. Vinte e um pacientes (14%) apresentaram gradiente antes da dilatação de 80 mmHg ou superior. Cento e trinta e seis pacientes (89%) ficaram com um gradiente de pós-dilatação de menos de 30 mmHg. Dezenove pacientes (12%) desenvolveram IAo moderada ou severa após a dilatação.

Os pacientes com menos de 31 dias de idade tinham maiores valores de gradiente pico em comparação como os pacientes de mais de 31 dias de idade ou mais (61 ± 23 mmHg vs. 53 ± 19 mmHg; p = 0,03) e maiores probabilidades de ter um gradiente de pré-dilatação de 80 mmHg ou mais (20% vs. 7,7%; p = 0,049). Os pacientes com menos de 31 dias de idade tiveram uma maior redução aguda no gradiente valvar (43 ± 21 mmHg vs. 34 ± 17 mmHg; p = 0,003).  Os grupos foram similares no que se refere aos gradientes de pós-dilatação e ao grau de IAo pós-dilatação.

Não foram relatadas mortes intraprocedimento. No seguimento foram relatadas 9 mortes totais e 2 pacientes que foram submetidos a transplante de coração em uma mediana de tempo de 51 dias após o procedimento. Todos estes pacientes foram submetidos a VAB aos 60 dias de idade ou menos, e oitos deles foram submetidos a VAB na primeira semana de vida ou antes.

Em 15 anos, a sobrevivência livre de transplante foi de 85% nos que foram submetidos a VAB como recém-nascidos, 94% nos que foram submetidos a VAB entre 31 dias e 1 ano e 100% nos pacientes com mais de 1 ano no momento da VAB.

Os neonatos também foram mais propensos a desenvolver IA moderada ou severa durante o seguimento em comparação com os pacientes que foram submetidos a VAB aos 31 dias de idade ou mais (p = 0,004). Transcorridos 15 anos da VAB, estima-se que 11% (95% IC: 1,2 – 34%) dos pacientes que foram submetidos a VAB neonatal e uma estimativa de 58% (95% IC: 39 – 73%) daqueles que receberam intervenção fora do período neonatal permaneciam livres de IAo moderada ou severa. Calculou-se que somente 45% dos neonatos e 62% dos lactentes e crianças com maior idade permaneciam livres de AVR 15 anos após a VAB.

A reintervenção inicial mais frequente foi a repetição da VAB (46% das reintervenções iniciais), seguida do procedimento de Ross com ou sem ampliação anular e do procedimento de Konno (22% das reintervenções iniciais).

Na análise multivariada, a idade neonatal, as lesões obstrutivas adicionais do coração esquerdo (HR 2,7), o gradiente pré-dilatação > 80 mmHg (HR 2,8), o gradiente pós-dilatação > 30 mmHg (HR 4,5) e a IAo aguda moderada a severa pós-dilatação (HR 2,6) mostram um risco elevado de reintervenção do TSVE. Na análise multivariada ajustada por ano de cateterismo, o risco de TAVI pós-VAB foi muito maior naqueles pacientes que tinham IA moderada-grave (HR 10,4) em comparação com aqueles com EVAo pós-VAB (HR 3,0).

Os resultados sugerem um baixo risco de mortalidade aguda, mas o risco a longo prazo de reintervenção é significativo. A maioria das intervenções de VAB tendem a se apresentar no período neonatal. É relatado um risco significativo para neonatos. Por volta de 14% dos recém-nascidos morreram ou foram submetidos a um transplante cardíaco.

Os autores concluem que a VAB apresenta um baixo risco de mortalidade a longo prazo, mas que existe um risco substancial, também a longo prazo, de disfunção valvar e reintervenção (incluindo necessidade de TAVI). O achado clinicamente mais relevante deste trabalho pode ser que a IAo aguda se associa a risco significativamente maior de necessidade de TAVI em comparação com a EVAo residual, o que sugere que um enfoque mais conservador pode ser prudente.

A maioria dos operadores preferem deixar mais estenose (EVAo, 30 – 35 mmHg) que o risco de IAo severa aguda ao dilatar com balão de maior tamanho. Neste relatório observa-se que os pacientes com IAo aguda moderada ou severa posterior à VAB e um gradiente residual < 30 apresentaram um risco três vezes maior de requerer TAVI em comparação com aqueles com gradiente residual ≥ 30 mmHg e uma IAo leve ou trivial.

Outros estudos (3) relatam que os pacientes de VAB com gradiente residual > 358 mmHg tiveram tendência a um maior risco de requerer TAVI e inclusive os pacientes com gradiente < 35mmHg e AR severa tinham melhor evolução que os pacientes com IAo leve e gradiente > 35 mmHg. Sugere-se, então, que o intervencionista deve ser mais agressivo no sentido de reduzir o gradiente < 35 mmHg apesar do risco de maior IAo (4).

Esta contraindicação deixa interrogantes no momento de decidir entre diminuir o gradiente a menos de 35 mmHg e deixar o paciente com uma insuficiência valvar aórtica moderada a severa.

Ainda há dúvidas a serem dilucidadas. Uma delas é como o resultado da VAB afeta a morfologia valvar ecocardiográfica observada antes da intervenção (5) e que mudanças estruturais específicas podem ser observadas por ecocardiografia imediatamente após a VAB poderiam nos ajudar a definir qual foi o mecanismo por meio do qual se reduziu o gradiente e qual é o mecanismo gerador da insuficiência valvar aórtica.

É evidente que a IAo moderada a severa é o maior indutor de risco de requerer TAVI no futuro. Mas, como resolver a questão de quando seguir adiante para reduzir o gradiente valvar?

São necessários mais estudos que nos respondam este interrogante.

É necessário acrescentar que diante dos resultados desalentadores em neonatos criticamente doentes – os quais representam um grupo desafiante de pacientes – os cirurgiões podem propor firmemente a valvotomia aberta (VA) como o tratamento inicial mais efetivo (6) ao compará-la com a VAB, que pode ser considerada como um procedimento “às cegas”. Na cirurgia é possível fazer a divisão exata das comissuras fundidas e o efeito dos nódulos obstrutivos, o que pode produzir uma melhor válvula com um orifício valvar máximo sem causar insuficiência. Isso pode oferecer um grande benefício de sobrevivência a longo prazo e uma alta qualidade de vida, ao minimizar as reintervenções e preservar a valva aórtica nativa na maioria dos pacientes. Seria, então, muito prudente tomar as decisões em conjunto entre o grupo intervencionista e os cirurgiões, tentando escolher a melhor opção para o paciente.

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Finalmente, em relação à VAB:

  • A VAB é uma opção segura e efetiva para pacientes com EVAo que requerem intervenção a curto prazo.
  • Existe uma baixa mortalidade a longo prazo e baixa necessidade de transplante cardíaco.
  • A IA moderada a severa pode colocar os pacientes em maior risco de requerer TAVI a longo prazo em comparação com a EVAo pós-VAB e possivelmente, sem que a dúvida esteja completamente resolvida, uma estratégia mais conservadora no laboratório de cateterismo poderia trazer benefícios para os pacientes.

 

Referências Bibliográficas

  1. Lababidi Z, WU JR, Walls TJ. Percutaneous balloon aortic valvuloplasty: Results in 23 patients. Am J Cardiol 1984;53:194–197.

  2. Sullivan PM, Rubio AE, Johnston TA, Jones TK. Long Term outcomes and re-interventions following balloon aortic valvuloplasty in pediatric patients with congenital aortic stenosis: A single center study. Catheter Cardiovasc Interv 2017;89:288–295.
  3. Brown DW, Dipilato AE, Chong EC, Lock JE, McElhninney DB. Aortic valve reinterventions after balloon aortic valvuloplasty for congenital aortic stenosis: Intermediate and late follow-up. J Am Coll Cardiol 2010;56:1740–1749.
  4. Holzer RJ, Cheatham JP. Shifting the balance between aortic in- sufficiency and residual gradients after balloon aortic valvuloplasty. J Am Coll Cardiol 2010;56:1750–1751.
  5. Loomba R, Bowman J, Cao Y, James Tweddell J, MD,‡ Dearani J,† Pippa M. Simpson P, Cetta F, Pelech A. Is Aortic Valve Leaflet Morphology Predictive of Outcome in Pediatric Aortic Valve Stenosis?  Congenital Heart Dis 2015;10:552-560 
  6. Viktor. Neonatal Aortic Stenosis Is a Surgical Disease. Semin Thorac Cardiovasc Surg Pediatr Card Surg Ann 19:2-5

 

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