Via de acesso transcava
Desde o primeiro implante percutâneo da valva aórtica (TAVI) realizado em 2002 pelo Dr. Alan Cribier, em Ruan, França[1], o número de procedimentos aumentou exponencialmente.
A evolução dos sistemas de liberação, os quais podem ser inseridos por introdutores de menor tamanho (14 Fr para válvulas CoreValve Evolut R® e Sapien® 3) contribuiu para a diminuição de complicações vasculares[2,3]. No entanto, existe um limitado número de pacientes nos quais não se pode realizar este procedimento pelo acesso arterial convencional (femoral) ou por acessos alternativos tradicionais como o subclávio e axilar[4], o aórtico direto[5], o transapical[6], o transcarotídeo[7] e o supraesternal[8].
A via transcava[9] surge como uma alternativa viável para a realização do implante percutâneo da valva aórtica neste tipo de pacientes.
Greenbaum et al[11], em 2016 deram a conhecer um estudo observacional com 100 pacientes que foram submetidos ao implante valvar aórtico por via transcava. O acesso vascular foi bem-sucedido em 99 de 100 sujeitos e o sucesso com o dispositivo de oclusão (AmplatzerTM) foi de 98/99. Um dos casos requereu implante de stent recoberto. A sobrevida após a alta hospitalar foi de 96% e a sobrevida em 30 dias foi de 92%. As complicações vasculares maiores associadas ao acesso foram de 13%. A média de estadia hospitalar foi de 4 dias.
Pode-se concluir que a via de acesso transcava para implante percutâneo da valva aórtica é uma alternativa que exige uma adequada planificação do procedimento e que é possível realizá-lo em pacientes com risco proibitivo ou alto para cirurgia convencional por presença de contraindicações ou por múltiplas comorbidades e deficientes acessos vasculares convencionais e alternativos. A complicação mais temida associada ao procedimento é o sangramento retroperitoneal que pode ocorrer em ao redor de 1 a 2% dos casos.
PASSO A PASSO
Para escolher a via trancava é necessário fazer uma tomografia multicorte (TC) de tórax e abdómen que permita avaliar as artérias subclávias, aorta, ilíacas e femorais, a relação aorto-cava e identificar o ponto mais indicado para realizar a punção cava.
Lederman et al. sugerem que se deve escolher o ponto onde houver menor quantidade de cálcio, sem estruturas interpostas (intestino). Deve-se realizar a punção a uma distância prudente da artéria renal, da veia renal, dos vasos mesentéricos e da bifurcação aortoilíaca, para o caso de ser necessário o uso de stent recoberto. A figura 1 resume as recomendações para a escolha do ponto de punção[10].
Procedimento:
Com o cateter preposicionado, deve-se realizar uma injeção simultânea de meio de contraste na veia cava inferior e na aorta a fim de localizar o ponto de punção por fluoroscopia. Uma vez localizado o ponto de punção, introduz-se por via arterial um fio-guia laço e alinha-se com o cateter previamente posicionado na veia cava inferior (cateter guia renal) em duas projeções (usualmente RAO 30° e LAO 60°), com o fim de que o fio-guia a inserir faça um efeito de alvo sobre o laço deslocado. Introduz-se um fio-guia de um só corpo metálico sem recobrimento hidrofílico de ponta rígida (0,014” ou 0,018”) de 260 cm ou 300 cm, o qual vai conectado em seu extremo proximal a um eletro-bisturi para que a passagem pelas estruturas seja facilitada pelo corte.
Já no lúmen aórtico, retira-se o eletro-bisturi e enlaça-se o fio-guia rumo ao arco aórtico. Procede-se a realizar dilatações da união cavo-aórtica com um balão 2,5 a 3,0 mm que tenha possibilidade de intercambiar o fio-guia 0,014” ou 0,018 por um 0,035” de alto suporte. Através deste último, avança-se o introdutor 18 F da valva percutânea. Uma vez posicionado o extremo distal do introdutor na aorta abdominal, realiza-se o procedimento de implante valvar percutâneo da mesma forma que por um acesso arterial femoral tradicional.
Depois de realizado o implante da valva, deve-se proceder a ocluir o shunt arteriovenoso com um dispositivo de oclusão tipo AmplatzerTM (AGA Medical Corporation). É preferível que se utilize o de comunicação interventricular Nº 8 (9-VSD-MUSC-008). Injeta-se meio de contraste para descartar vazamentos retroperitoneais que, caso se apresentem, recomenda-se insuflação de balão complacente utilizado na pós-dilatação da endoprótese para a oclusão temporal das estruturas vasculares. Caso o vazamento retroperitoneal persista, sugere-se o uso de stent recoberto em aorta. Uma vez descartada a presença de vazamentos, retiram-se os introdutores. FIGURA 2[9]
FIGURA 1: Recomendações para a escolha do ponto de punção
Catheter Cardiovasc Interv. 2015 Dec 1; 86(7): 1242–1254.
FIGURA 2
(A) Flebografia e aortografia antes do procedimento; (B) Fio-guia Confiança Pro 12 entrando no laço na aorta; 9C) Fio-guia capturado pelo laço e inserido na aorta ascendente; (D) Introdutor 18-F a partir do acesso venoso que conecta a veia femoral à aorta; (E F) Medtronic CoreValve ReValving™ sendo inserido no trato de saída do ventrículo esquerdo; (G e H) Liberação da prótese; e (I) oclusão da fístula cavo-aórtica com dispositivo AmplatzerTM Muscular VSD Occluder.
JACC Cardiovascular Interventions Sep 2014, 7 (9) 1075-1077.
BIBLIOGRAFIA
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