Entrevista con los Expertos

A realidade do infarto agudo do miocardio em América Latina - Entrevista com o Dr. jorge Mayol (Uruguay)

Dr. Jorge Mayol

Centro Cardiológico Americano Uruguay , Montevideo

INTRODUÇÃO 

Tanto os guias europeus quanto os americanos de infarto com elevação do ST (IAMcST) recomendam há vários anos a criação de redes para o tratamento dos pacientes acometidos por esta síndrome coronariana.

De fato, existem bem-sucedidas Iniciativas, como a Mission Life Line, nos EUA e a Stent-Save a Live, na Europa, que foram criadas com esse objetivo.

No entanto, na América Latina estamos muito longe dessa realidade. E é por isso que convocamos referentes no manejo de pacientes com IAMcST de vários países da região para compartilharem conosco qual é a realidade do tratamento desses pacientes em seus países.

ENTREVISTA COM OS ESPECIALISTAS - DR. JORGE MAYOL (URUGUAY)

No Uruguai podemos reconhecer que existem várias fortalezas no que diz respeito ao tratamento do infarto agudo do miocárdio com elevação do ST (IAMcST), assim também como algumas debilidades:

  1. Dentre as fortalezas, destacamos a existência de um Sistema Nacional Integrado de Saúde que, teoricamente, pode atender 100% da população no que diz respeito aos recursos necessários para realizar os procedimentos de reperfusão farmacológica e mecânica de acordo com a necessidade que em cada paciente em particular se requeira. Os procedimentos de alto custo e alta tecnologia (entre os quais se incluem a angioplastia e os fibrinolíticos) são financiados pelo Fundo Nacional de Recursos, assegurando-se assim um aspecto importante, ainda que não único do problema.
  2. Dentre as debilidades, podemos destacar a existência de diversos obstáculos que impedem a concreção da reperfusão nos prazos ótimos, como são a demora na consulta dos pacientes, a não realização ou interpretação adequada do eletrocardiograma, um grau desigual de treinamento dos médicos de emergência, algumas barreiras no acesso à medicação ou a ausência de coordenação entre os diversos atores assistenciais que facilite o rápido encaminhamento a centros com complexidade suficiente para uma estratégia diagnóstica e terapêutica apropriada.

No Uruguai podemos ter acesso à informação precisa de todas as angioplastias coronarianas (ATC) realizadas no país, já que dispomos de um registro único de Angioplastia. No ano 2015 publicamos um trabalho no qual analisamos um período de 9 anos, durante o qual se realizaram 7.742 ATC nas primeiras 24 horas do infarto. Isso nos permitiu analisar certos aspectos, como as características epidemiológicas, clínicas, de procedimentos e de evolução dos pacientes. Observamos que os resultados imediatos e a longo prazo são adequados e pudemos inferir a taxa de uso de ATC para cada região do país.

A densidade da população é distinta no sul (zona metropolitana) se for comparada à do resto do país (interior). Em Montevidéu e arredores a densidade é de 194 habitantes/km2 (em Montevidéu especificamente é de 2.500 habitantes/km2) e no resto de país é de 8 habitantes/km2. Esta é uma das razões que explicam o fato de, até o presente, as 5 salas de Hemodinâmica estarem localizadas em Montevidéu.

Como se compreenderá, não é possível oferecer angioplastia primária (ATCp) a todos os habitantes do país e isso torna necessária a existência de ambas as estratégias de reperfusão (ATCp e trombolíticos com posterior encaminhamento).

No que se refere à reperfusão farmacológica, e frente à falta de um registro específico, realizamos a inferência da taxa de uso de acordo com o consumo de fibrinolíticos (FBL) em cada departamento do país.

Utilizando cifras internacionais, e estimando uma taxa de IAMcST de 1/1000 habitantes/ano, pressupomos a ocorrência de aproximadamente 3.000 IAM/ano, dos quais 33% recebem ATCp, 19% são tratados com FBL e 48% não são reperfundidos. Se discriminarmos por região, vemos que na zona metropolitana 55% são tratados com ATCp, 19% com fibrinolíticos e 26% não são reperfundidos, enquanto que no interior 18% são tratados com ATCp, 42% são tratados com FBL e 40% não são reperfundidos. A diretriz do programa nacional de reperfusão deveria ser promover todo tipo de reperfusão, selecionando-se por protocolo a estratégia mais adequada ao momento e lugar onde cada paciente é atendido. 

Felizmente a questão está sobre a mesa da ação ministerial. Em 2016, o Ministério de Saúde Pública incluiu o “Manejo do IAMcST” dentro das Metas Prestacionais a serem cumpridas pelos prestadores dos serviços de saúde do país. A finalidade desta medida é estimular o correto e oportuno diagnóstico dessa entidade, assim como incrementar a taxa e qualidade da reperfusão miocárdica, tanto mecânica quanto farmacológica. Os hospitais, mutualistas e seguros de saúde que prestam a assistência no marco do Sistema Nacional Integrado de Saúde serão estimulados economicamente se cumprirem com os indicadores de qualidade que serão definidos para tal efeito.

Em 2016 se conformou um grupo de trabalho interdisciplinar, integrado por representantes do Ministério de Saúde Pública, pelo Fundo Nacional de Recursos, pela Sociedade Uruguaia de Cardiologia, pela Cátedra de Cardiologia da Universidade da República e pela Comissão Honorária pró-Saúde Cardiovascular. Esse grupo de trabalho analisou a problemática da reperfusão do IAMcST no país, elaborou e publicou (em abril de 2017) um Protocolo único focado no Tratamento de Reperfusão do IAMcST para ser utilizado nacionalmente. Trata-se de um guia orientador da prática clínica que atua como base de conhecimento para uma melhor tomada de decisões na designação e uso dos recursos disponíveis.

A formação dos recursos humanos é considerada parte fundamental para a implementação do Programa de Infarto, motivo pelo qual já em 2017 começou-se a trabalhar no desenho dos workshops de educação. O mesmo abarcará um amplo programa, dividido em 4 módulos temáticos, executado através de uma plataforma web, com avaliação pré e pós sessão. Os apresentadores de saúde deverão ter incluído uma porcentagem definida de seus médicos e enfermeiros, o que será considerado indicador de qualidade da execução da Meta assistencial.

Atualmente estamos dedicados à tarefa de elaborar um Registro Nacional de Infarto Agudo do Miocárdio com elevação do ST que permitirá contar com informação qualificada que nos aproxime melhor da realidade no que se refere à prevalência, incidência e carga de doença do IAMcST. Também será útil para avaliar as diversas estratégias que forem estabelecidas e realizar um adequado seguimento evolutivo dos pacientes. Esse registro deverá ser suficientemente amplo para contar com informação valiosa, mas também deverá ser breve, concreto e prático, de tal maneira que não gere rejeição na leitura dos dados.

Está prevista a conformação de um Comitê Honorário para a Abordagem do IAMcST de cunho nacional integrado pela Cátedra de Cardiologia da UDELAR, pela Sociedade Uruguaia de Cardiologia e pelo Ministério de Saúde, no qual seja analisada a informação obtida e que tenha como finalidade ajudar na construção do desenho de estratégias futuras.  

Também se trabalhará no desenho de uma “estratégia de rede” para oferecer à população uma sistematização do tratamento do IAMcST.

Acredito que o futuro, em nosso país, no que se refere ao tratamento dos pacientes com IAMcST será muito positivo. Há uma clara vontade política das autoridades sanitárias para levar a cabo o Programa de Infarto, estão dadas as condições do sistema sanitário nacional para concretizá-lo, há uma ativa disposição dos cardiologistas referentes no tema para colaborar, o que configura uma excelente oportunidade para executar este importante programa e assim fazer mais e melhor reperfusão em nossos pacientes. Estou seguro de que nos próximos anos o Uruguai compartilhará muitas novidades sobre este tema com todos os colegas latino-americanos.