Paso a Paso

Acesso transapical

Dr. Michael W. Howard

Clínica Alemana y Hospital Militar, Santiago, Chile. Chile , Santiago

A cirurgia de substituição valvar aórtica com técnica cirúrgica aberta e uso de circulação extracorpórea continua sendo o tratamento de eleição para a maioria dos pacientes com estenose aórtica severa sintomática[1].

Nas últimas décadas, o implante percutâneo da valva aórtica (TAVI) surgiu como alternativa comprovada e efetiva em pacientes de alto risco[2]. Demonstrou-se a efetividade e segurança dos implantes valvares por via transfemoral (TF) e transapical (TA). Esta última via surge como uma necessidade de acesso em pacientes com vasos ílio-femorais pequenos, tortuosos e/ou com doença aterosclerótica significativa.

Os primeiros implantes por via TA foram realizados em 2004[3,4] e desde então a técnica se difundiu e se padronizou em todo o mundo[5,6,7,8]. O acesso transapical oferece uma plataforma estável de acesso direto anterógrado e a uma distância de trabalho muito curta da valva aórtica nativa. Não há limitações de diâmetro dos dispositivos, o que torna o procedimento atraente para outras técnicas em desenvolvimento.

A seguir, descreveremos as etapas do TAVI por via transapical com válvula Edwards Sapien XT (Edward Lifesciences), embora existam também outras próteses que oferecem este acesso, como a Symetis Accurate TA® e a JenaValve®.

A seleção do paciente e a análise do caso com a equipe multidisciplinar são cruciais para o sucesso do TAVI, independentemente da via de acesso.

Os pacientes de alto risco são aqueles com EuroScore ≥ 15% e STS ≥ 10% ou aqueles com outras comorbidades que dificultam tecnicamente a cirurgia: aorta em porcelana, cirurgia cardíaca prévia com pontes pérvias, radiação torácica, dano hepático, demência ou fragilidade.  

Cateterismo Cardíaco: avalia a presença de doença coronariana crítica e recomenda tratar com angioplastia lesões proximais relevantes previamente ao TAVI. Ademais, avalia as projeções de trabalho mediante aortografia e permite realizar medições hemodinâmicas.

Ecocardiografia: importante para definir severidade da estenose aórtica, valva bicúspide, calcificação de véus e anéis; outras valvoplastias e função ventricular.

Tomografia Axial Computadorizada (TAC) de tórax, abdómen e pélvis com contraste e gatilhada: exame principal para definir tamanho de anel, presença e distribuição do cálcio, distância a óstio coronariano. Permite avaliação de aorta em sua totalidade e vasos ílio-femorais para definir opções de acesso e canulação. Identifica o local de acesso ao ápex e projeções de trabalho para o implante.

PASSO A PASSO

O procedimento se realiza idealmente em um pavilhão híbrido desenhado e equipado com imagens fixas de alta resolução.

A equipe humana envolvida deve ser: cirurgião cardíaco, cardiologista intervencionista, anestesista cardiovascular com treinamento em ecocardiografia transesofágica (ECO TE) ou um ecografista cardiovascular. Ademais, devem estar presentes: perfusionsita, enfermeiros com conhecimentos da cirurgia e de hemodinâmica, além de um tecnólogo de imagens.

Etapas do procedimento:

  1. Identificação do ápex: utilizando ecocardiografia de superfície e fluoroscopia, identifica-se o 5º ou 6º espaço intercostal e a posição para a minitoracotomia.

 

  1. Acesso arterial e venoso femoral: bainha 6 FR em artéria femoral com menor calcificação e tortuosidade para impelir cateter pigtail. Bainha 6 FR em veia femoral. Estes acessos podem ser utilizados para canulação em situação de emergência.

 

  1. Definir projeção de trabalho: baseado em TAC e aortografia prévia, devem ser confirmados os ângulos de projeção nos quais as bases dos três seios de Valsalva se encontrem alinhadas.

 

  1. Minitoracotomia: Incisão de 3 a 5 cm em posição definida previamente. Abre-se espaço intercostal e apalpa-se digitalmente o ápex. Abre-se pericárdio e suspende-se com pontos de tração. Insere-se retrator de tecido mole para otimizar exposição (Alexis Retractor®, Applied Medical Corp). Pode ser necessário utilizar retrator intercostal pequeno. Deve-se identificar a artéria descendente anterior e localizar a zona muscular de porção anterolateral do ápex, evitando o tecido adiposo. Para confirmar a posição ideal de acesso, apalpa-se digitalmente e visualiza-se com ECO TE no eixo longo a zona de indentação que deve ser lateral ao ápex anatômico do ventrículo esquerdo (VI). Depois são feitas duas suturas concêntricas triangulares com Prolene 3-0 MH Ethicon apoiadas sobre pledgets de teflon (Figura 1). As mesmas devem ser passadas profundamente na parede do VI deixando uma área de 20-25 mm em seu interior para a inserção do sistema. Em seguida são passadas por torniquetes. Nessa mesma zona, implantam-se cabos de marca-passo epicárdicos em posições opostas da circunferência, evitando o contato entre eles (Figura 2).

 

  1. Heparinização sistêmica: 100 U/kg para lograr ACT > 300 segs.

 

  1. Punção do Ápex: posiciona-se o centro da circunferência com agulha 14 e impele-se sob visualização fluoroscópica até obter fluxo pulsátil de sangue arterial. Depois impele-se guia mole 0,035” até a aorta ascendente. Visualização com ECO TE deve confirmar a passagem através da valva aórtica e descartar comprometimento de aparato subvalvar mitral. Utilizando cateter Judkins Der® (JR), impele-se guia até que o mesmo se posicione na aorta abdominal. Depois intercambia-se um guia Extra Stiff® 260 cm/0,035”. Impele-se introdutor Ascendra® e posiciona-se em cavidade ventricular 2 a 3 cm.

 

  1. Valvoplastia Aórtica: introduz-se balão do sistema (3 cm, 20 cc), posicionando-o em valva aórtica. Sob estimulação com marca-passo a 140-180/min realiza-se valvoplastia aórtica. Esta etapa é muito importante, já que permite um teste da sequência e coordenação do equipamento que depois será utilizado no implante. A injeção de contraste através de cateter pigtail durante a valvoplastia permite avaliar o tamanho da raiz aórtica e o comportamento dos véus valvares calcificados e sua relação com os óstios coronarianos.

 

  1. Posicionamento da válvula e implante: avança-se a válvula através de introdutor sob visualização fluoroscópica até seu posicionamento dentro do anel aórtico. Depois retira-se o pusher do sistema. A posição ideal da prótese Sapien® é 1/3 do stent sob o nível dos seios de Valsalva e 2/3 sobre dito plano. Nesse momento devem ser repetidas as injeções de contraste na raiz aórtica para assegurar dita posição e realizar ajustes. Deve-se complementar com visualização do ECO TE, que permite localizar o extremo ventricular do stent em relação à porção fibrosa mitro-aórtica. A zona de “dobradiça” do véu mitral anterior é o lugar ideal para a localização do extremo proximal do stent na região subanular. Uma vez definida a posição ideal, inicia-se a sequência do implante que deve ser dirigida pelo primeiro operador que define as funções de cada integrante. Inicia-se o marca-passo 180 x min èevidencia captura, queda de pressão arterial < 50 mmHg, ausência de ejeção èinjeção de contraste para confirmar posição èinicia-se insuflação lenta, ajustes mínimos se for necessário, insuflação completa 5-6 segundos èdesinflação rápida e detenção do marca-passo. Estabilização hemodinâmica.

 

  1. Avaliação ecocardiografia: avalia-se localização e função valvar, presença de regurgitação paravalvar.

 

  1. Oclusão cirúrgica do ápex: sob estimulação com marca-passo rápido e uma pressão arterial < 50 mmHg, retira-se o introdutor e atam-se suturas. Reverte-se heparinização, afronta-se pericárdio e instala-se drenagem em cavidade pleural. Infiltra-se espaço intercostal com bupivacaína. Oclui-se a incisão por planos.

 

Nossa experiência com este acesso inclui 25 pacientes, 20 aórticos, 4 valve in valve (ViV) mitrais e um duplo ViV. Idade média de 82 anos (70-91), STS e EuroScore médio de 11,5 e 25,6, respectivamente. 100% dos implantes foram bem-sucedidos e não houve mortalidade perioperatória. Em seguimento médio de 27 meses, 80% (20 pacientes) estão vivos.

 Figuras

Figura 1. Dupla sutura triangular concêntrica de Prolene 3-0 MH apoiada sobre pledgets de teflon.

acceso transapical

 

Figura 2. A imagem mostra a zona apical preparada para a punção. Observa-se dupla sutura sobre pledgets de teflon, torniquetes e cabos epicárdicos.

acceso transapical

 

Bibliografia

  1. Nishimura RA, Otto CM, Carabello BA, Erwin JP, Guyton RA, O'Gara PT, Ruiz CE, Skubas N, Sorajja P. 2014 AHA/ACC Guideline for the Management of Patients With Valvular Heart Disease: Executive Summary J Am Coll Cardiol. 2014,63; (22):e57-e185.
  2. Leon MB, Smith CR, Mack M, et al. Transcatheter aortic-valve implantation for aortic stenosis in patients who cannot undergo surgery. N Engl J Med 2010; 363:1597-607.
  3. Lichtenstein SV, Cheung A, Ye J, et al. Transapical transcatheter aortic valve implantation in humans: initial clinical experience. Circulation 2006;114:591-596
  4. Holzey DM, Hänsig M, Walther T, Seeburger J, Misfeld M, Linke A, Borger MA, Mohr FW. Transapical aortic valve implantation- The Leipzig experience. Ann Cardiothorac Surg 2012;1(2):129-137.
  5. Stähli BE, Altwegg L. Transapical transcatheter aortic valve implantation: the front door approach captures the world. Cardiovascular Diagnosis and Therapy. 2012;2(4):E4-E6.
  6. Walther T, Kempfert J, Rastan A, et al. Transapical aortic valve implantation at 3 years. J Thorac Cardiovasc Surg 2012;143:326-31.
  7. Cheung A. Lichtenstein KM. Ilustrated techniques for transapical aortic valve implantation. Ann Cardiothorac Surg 2012;1(2):231-239.
  8. Walther T, Dewey T, Borger MA. Et al. Transapical aortic valve implantation: step by step. Ann Thorac Surg 2009;87:276-83.

 

Conflito de interesse: Dr. Michael Howard é Proctor da Edwards Lifesciences para implante de válvula Edwards Sapien XT por via transapical.

Nesta edição

Editorial

Acessos para TAVI

Dr. Matías Sztejfman
Paso a Paso

Acesso transcarotídeo

Dr. Alberto Barría P.
Paso a Paso

Acesso transaxilar

Dr. Matías Sztejfman
Paso a Paso

Acesso transapical

Dr. Michael W. Howard
Paso a Paso

Acesso trasfermoral "minimalista"

Dr. Gabriel Maluenda
Paso a Paso

Via de acesso transcava

Dr. David Hernández, Dr. Jaime Fonseca, Dr. Antonio Dager, Dr. Camilo Arana, Dr. Bernardo Caicedo, Dr. Luis Miguel Benítez, Dr. Carlos Nader, Dr. Jairo Cadena, Dra. Ángela Cucalón
Paso a Paso

Acesso transaórtico

Dr. César Morís, Dr. Isaac Pascual, Dra. Raquel del Valle, Dr. Pablo Avanzas
*
*
*